bannersweb

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O único trunfo por David Coimbra

Algumas manhãs atrás, passava pelo quarto do meu filhinho Bernardo e ele me chamou, os bracinhos estendidos:

– Papai, papai! Bincar!

Queria brincar. Sentei no carpete, peguei a tombadeira de plástico que ele mais gosta, uma amarela, e comecei a empurrá-la, imitando com a boca o ruído do motor:

– Vrrrummm, vrrrrummmm...

Ele ria, contente, e repetia:

– Vrrrrrummm, vrrruuuuummm...

De repente, uma brisa entrou pela janela do quarto. Era brisa mesmo, não vento, mas foi o suficiente para deslocar da base um quadro que estava encostado numa estante na parede. Era um quadro do tamanho de uma tela de TV de 29 polegadas, a moldura pesada. Desabou lá de cima e voou em direção à cabeça do meu filhinho. Antes de atingi-lo, colidiu com o berço, arrancando uma lasca da madeira, depois bateu numa pilha de CDs de música de nenê e por fim acertou-lhe no rosto. Como as outras batidas amorteceram a queda, ele não se machucou, mas chorou e gritou muito devido ao susto.

Passei o dia em transe por causa daquilo. Ficava pensando que por uma distância de dois dedos meu filhinho não morreu em um acidente imprevisível e, pior, inevitável.

Por que ele se safou?

Por sorte.

Por esse fator imponderável, insondável e intangível. Sorte.

***

O que é a sorte, isso não sei. Mas sei que, realmente, ajuda os competentes. O Grêmio já foi ungido pela sorte. É certo que o clube tinha um triunvirato diretivo competente, Odone-Pelaipe-Mano, mas quando o adversário desperdiça dois pênaltis e o time marca um gol tendo quatro jogadores a menos, o que pode ser, senão sorte?

Agora a sorte abandonou o Grêmio, e talvez não seja por acaso. Até a internet conspira contra o clube. O sujeito vai lá, digita “gay” e surge a palavra Grêmio, para gáudio dos colorados. Os técnicos de informática não sabem por que isso aconteceu, é um mistério. Eu sei: todos os astros, as conjunções e os fluidos estão contra o Grêmio, hoje em dia. E, por consequência, para horror dos gremistas, viraram-se a favor do Inter. No Inter, tudo o que funciona bem, funciona melhor, porque empurrado pela sorte.

***

Só existe um quesito no qual o Grêmio é superior ao Inter, neste penúltimo ano da década. Um único entre tantos: o Inter tem melhor time, melhor marketing, melhor estádio, melhor administração. O único trunfo gremista é a torcida Geral do Grêmio, há anos a torcida mais entusiasmada, mais original e mais bem organizada do país. A Geral do Grêmio é a grande novidade do futebol brasileiro no século 21. Mudou o jeito de torcer nos estádios do país.

A Geral levou o Grêmio ao vice-campeonato da América e do Brasil, a Geral tem impelido o Grêmio para frente temporada após temporada. Os dirigentes deveriam se apoiar nessa torcida para reerguer o Grêmio. Deveriam mimá-la, acalentá-la, trazê-la para o seio do clube. Eu, se fosse dirigente, não daria uma sala para a Geral: daria metade do estádio. Daria passagens para os jogos fora de casa. Daria galardões para seus líderes. Hoje, o que o Grêmio tem de bom está pulando na arquibancada. Hoje , só a Geral é capaz de salvar o Grêmio.


Todo dia, sempre igual


Depois de uma vida de labuta, um velho amigo do meu amigo Salim Nigri se aposentou. Resolveu, então, que se dedicaria ao que mais gostava: à pesquisa. Mas não qualquer tipo de pesquisa, e sim uma em especial. Como morava em frente ao Olímpico, ele estabeleceu uma rotina para si próprio. Todos os dias, levantava à mesma hora e, engolido o café, saía de casa e atravessava a rua no mesmo lugar. Ia até o Olímpico e lá ficava pesquisando sobre a história do Grêmio. Transcorridas algumas horas, sempre a mesma quantidade de horas, levantava-se, atravessava a rua exatamente no mesmo ponto e voltava para casa. Todos os dias ele fazia tudo sempre igual.

Um dia, ele ia atravessando a rua no mesmo horário, no mesmo ponto e percebeu que esquecera algo em casa. Girou nos calcanhares e retornou. Foi atropelado. Morreu.

O Salim, que me contou essa história, concluiu que faltara sorte ao seu amigo. Na única vez em que mudou a rotina e atravessou a rua em sentido contrário, um carro estava passando e o colheu. Tudo deu errado quando não podia dar errado. Exatamente como o Grêmio de hoje. Hoje, qualquer desvio do Grêmio se transforma em atropelamento.


*Texto publicado na página 36 deste domingo

0 comentários:

  © Free Blogger Templates Blogger Theme II by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP