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sábado, 28 de novembro de 2009

O último domingo para ver Tcheco


Tcheco achou melhor conversar na Redação de ZH, caminho entre a sua casa e o Estádio Olímpico. Chegou reclamando do calor e pedindo uma dose generosa de ar-condicionado. Ganhou mais, uma boa cadeira, uma sala confortável. Não quis café.

– E as férias? – ele pergunta, engatando um assunto qualquer.

– Praia do Rosa – eu disse, só para descontrair, pois jogador de futebol fica tenso em volta de tantos jornalistas. Seus críticos crescem e se desenvolvem neste ambiente.

– Gosto muito de Santa Catarina. Curti a praia de Itapema em dezembro. No ano que vem ainda não sei... Bom, o que a família resolver, eu topo... (risos). Viajo muito durante o ano. Quero tranquilidade nas férias.

– Pelo menos, você pode passar as férias pensando na melhor maneira de lançar Ronaldo Fenômeno – eu brinquei.

Ele riu, mas não disse nada. Tcheco, sua família e o Brasil inteiro que se liga em futebol sabem que seu destino será o Corinthians, o desafio, a Libertadores, a meta, o título. Tcheco está deixando o Grêmio depois de três anos e meio. Será o homem de confiança de Mano Menezes no Timão:

– A direção achou que era a hora de sair. Havia um desgaste natural. É preciso deixar espaço para os meninos.

Tcheco sai de peito estufado, mas com a sensação do dever não cumprido:


– Olha, eu me esforcei ao máximo. Senti não ter erguido a Libertadores (foto) e o Brasileirão. Os títulos estiveram perto. Faltaram as taças.

– O que mais faltou? – eu questiono.

Ele levanta a cabeça, olha em volta. Pensa. Tenta falar algo. Matuta um pouco. Diz:

- Faltou grupo qualificado. Quando os titulares saíam, os reservas não alcançavam o mesmo nível. É preciso dizer. Quero ser honesto. Basta procurar os nossos reservas daqueles dois momentos. Onde estão eles? Jogam em algum clube de ponta? Claro que não. Por outro lado, conheço os problemas financeiros do Grêmio.

– Celso Roth tem culpa? – eu falo, direto.

– Claro, eu tenho, a direção tem, todos têm... Roth é um bom técnico. A imprensa o critica demais. Ele sempre faz bons trabalhos, mas não está ganhando. Qualquer hora ele vai levantar um título. Você vai ver... Mas, mesmo assim, chegamos perto, sempre disputando títulos, sempre incomodando...

– Mais algum problema? – insisto.

– Creio que a direção falhou no final de 2008. As eleições do clube nos prejudicaram. Os dirigentes ficaram muito envolvidos com o processo eleitoral e deixaram de cuidar dos bastidores. Em determinado momento, nos fecharam numa concentração 48 horas antes do tempo para que nós jogadores ficássemos afastados do clima de eleição. Pode?

– E o Paulo Autuori?

– Outro momento. O Paulo é uma grande pessoa. Nas vitórias, às vezes, ele nos criticava. Nas derrotas, elogiava nosso posicionamento tático. Seu estilo é diferente... Até hoje não consigo explicar os motivos de tantas derrotas fora de casa. Não entendo...

– Você prefere um cara que berre à beira do campo, estilo Roth, ou um tranquilo, tipo Autuori?

– Eu sei a razão da pergunta. O Grêmio ganhou títulos com técnicos enérgicos, sanguíneos, como o Felipão. Agora, os torcedores acham que o técnico precisa gritar no seu reservado para vencer. Eu não tenho preferência. Uns jogadores
aceitam bem o treinador sereno. Outros precisam do grito para acordar.

O celular toca, Tcheco olha o relógio. É hora do treino. Ele dispõe de mais um tempo. Gasta quatro minutos para elogiar Marcelo Rospide:

– Se eu tivesse poder contrataria o Rospide. Hoje, agora. Ele conhece futebol, entende o jogador, sabe passar ensinamentos táticos, trabalha bem no quadro e nos vídeos. O cara tá pronto. Imagina! Ele teve o Mano (Menezes), o Roth e o Autuori como professores. Ele é o novo Mano Menezes. A direção quer contratar um nome de peso para acalmar a torcida.

Tcheco teve altos e baixos com a torcida azul. Frequentou os dois extremos. Diz que sabe quando jogou bem, quando atuou mal:

– Vejo a crítica com naturalidade. Não temo os críticos. É o trabalho dos caras. Só não admito perseguição, injustiças, pegação de pé.


Fotos: Jefferson Botega e Valdir Friolin

O paranaense se confessa gremista, como o filho Leonardo, oito anos, “canhoto e de chute forte”, se derrete o pai.

– Olha, estou indo embora com o coração na mão. Minha alma é gaúcha. Mais três anos encerro a carreira e, pode me cobrar, a cada decisão do Grêmio tomo um jato em Curitiba, boto o Leonardo no banco do lado, e desembarco em Porto Alegre usando uma camisa azul – ele garante, meio emocionado.

– E a torcida, Tcheco? – eu insisto. Vai deixar saudade?

– Ah, muito...

Ele coça o olho direito e engata:

– Quando a Geral estava unida, fazia a diferença. Os jogadores adversários falavam que era terrível jogar no Olímpico. O clima que a torcida criava, mais a aplicação do time, tornavam o Grêmio quase imbatível em casa. Hoje, a divisão da torcida mudou o cenário. Um lado canta uma música, o outro lado entoa uma diferente. Em 2007, quem levou o Grêmio à final da Libertadores foi a torcida. A do Grêmio é especialíssima...

Tcheco levanta. Vê o David Coimbra e o Luís Henrique Benfica e acena de longe. Perto do elevador, diz, tocado:

– Eu fiz tudo que pude pelo Grêmio. Valeu cada gota de suor derramado.

– Agora, com o Ronaldo vai ser tudo mais fácil – eu arrisco outra piada.

Tcheco abre o sorriso, estende a mão, baixa a guarda por um segundo e fala:

– Nem sei se vou ser titular...

Domingo, 29 de novembro de 2009, será a última chance de vê-lo com a camisa tricolor:

– A número 10 irá para a parede da minha casa. É um troféu – fala, já dentro do elevador.

Tcheco, 33 anos, o Grêmio ainda não sabe o que perdeu.



Entrevista para o blog Bola Dividida

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